Decibélicas
Decibélicas são um conjunto musical punk rock experimental do minho fundado em 2017.
Apresentaram performances nos festivais Milhões de Festa, Indie Lisboa e na Festa do Sentido da Vida, assim como na galeria Zé dos Bois e nos Maus Hábitos (com Linn da Quebrada), entre muitas outros concertos. Apareceram no documentário "Ela é uma Música". Fizeram parte do (agora defunto) Colectivo Projéctil, e estão associadas à promotora "Cantigas do Poço".
"As Decibélicas são um conjunto musical experimentálico constituído por cinco ou mais elementos humanos venusianos diversos que, sem cuidado nem à estética nem à métrica, exploram os meandros da espacialidade musico-temporal do Poço Metafísico Augusto Bimilenar e Muy Singelo de Braga, numa tentativa produtivamente fútil de expressar a sua condição sistémica e/ou emocional. Serão vistas nos locais habituais e são muito simpáticas, mas cuidado!… Algo de inesperado poderá acontecer…"[1]
Lixo Plástico L.P.
Lixo Plástico é um L.P. lançado em 11 de Agosto de 2020, gravado em 3 dias em Maio de 2019 na Sala de Ensaios Galéxia (Braga, Portugal). Foi lançado com a promotora Cantigas do Poço, na página Bandcamp da banda.
"+++++ AVISO PÚBLICO +++++
Lembram-se de nós, as gajas chatas do Minho que se lembraram de fazer uma banda sem saber saber tocar nem meia nota???? Pois.... Essas gajas chatas continuam chatas, já tocam muitas notas e lançam berros cada vez mais tortuosos e, para assinalar a sua extrema impertinência, estão prestes (mesmo prestes) a lançar um registo audiovisual das suas birras e feitiços (a sério que demorou assim tanto tempo...!?!?!)
Tal registo chamar-se-á LIXO PLÁSTICO (LP) e consistirá em:
- 45 minutos de tortura psicológica;
- 7 membros desmembrados da galáxia mais próxima;
- 6699 kg de Lixo;
- 1 cameo do Ambrósio;
- 1 bebé;
- X conversas paralelas;
- o telefone fixo do Inferno;
- 1 poço muito, muito fundo." [2]
“Ligue já e ganhe uma viagem para o inferno” - em Televendas, Lixo Plástico, 2020
Lixo Plástico
Label: Cantigas do Poço
Produção e masterização: David Machado
Guitarra e flauta transversal (Víboras Negras): Leonor Coutinho
Guitarra (Maria): Maria Salgado
Baixo e Mini Korg (Intro): Inês Perdiz
Baixo (Melhor Assim): Maria Salgado
Teclado: Fernanda Maria
Bateria: André Vagaroso
Trompete: Kali
Vozes: Vanessa Rodrigues + Maria Salgado
Voz (Televendas): Leonor Coutinho
Voz (Melhor Assim): Inês Perdiz
Coros: Todos + Sara Maui
Percurssões e palminhas: Todos
Bebé: Manú
Poesias: Todos
Poesia "Melhor Assim": Sara Maui
Temáticas:
Nas suas músicas, as Decibélicas abordam questões como as contradições, a vida das mulheres, a opressão de género e de classe, relações afetivas, conflitos ideológicos e prespectivas punk sobre o mundo.
A sua música foi descrita como "punk de intervenção feminista"[3] devido à sua abordagem irreverente de temáticas tipicamente associadas com as mulheres, como nas músicas 'Maria', 'Televendas' ou "Vagina Elétrica", e que de alguma forma confrontam os públicos, típicamente masculinos do punk rock. Ainda assim, a banda costuma usar termos como "as gajas chatas" para se referirem à banda, apropriando, irónicamente, as possíveis críticas. Além disso, o conteúdo das músicas é por vezes ambíguo e interpretável desde múltiplas perspectivas.
Melhor Assim:
"Eu oprimo-te. Porque é melhor para ti.
Eu oprimo-te. Porque é melhor para ti.
E tu sabes que sem a minha orientação a tua vida ia dar merda.
Tu reclamas... Mas não fazes nada.
Tu escolheste-me, e puseste-me aqui.
Porque não sabes fazer melhor.
Nem por ti, nem por outrem.
E eu... Eu... Eu... Cuido de vocês. Eu educo-vos. Eu alimento-vos. (...) Meticulosamente.
É por ti. É por vocês.
Porque é melhor assim. É melhor assim!
Tu sabes que é melhor assim.
As regras, precisas entender.
Isso evita o caos que a tua interpretação poderia causar.
As regras são para seguir...
Pelo Bem Comum, porque é melhor assim.
Tu sabes que é melhor assim.
É melhor assim!
Tu sabes que é melhor assim.
E dessa forma não tens que pensar. É um favor que eu te faço.
E tu gostas. Vocês gostam.
Aí gostam...
E entendem-se todos muito melhor assim."
- Decibélicas, Lixo Plástico, 2020
Esta música é marcada por um tom cómico e crítico, referindo-se aos habituais discursos de género adotados pelos opressores, que se armam com a ideia de um "Bem Comum". É notável a pouca representação das mulheres na cena punk-rock Portuguesa, sendo que as Decibélicas são um exemplo de um discurso alternativo, dentro de um contexto musical e social que se afirma como sendo pela igualdade de género, e mais amplamente, marcada por uma crítica à sociedade (e aos valores dominantes do capitalismo e do patriarcado). A investigadora Paula Guerra refere que a presença de temáticas sexistas e misóginas é inegável na cena rock Portuguesa:
"É inegável uma presença de temáticas sexistas e misóginas na cena de rock alternativo. Desde um sexismo mais às claras, em que as bandas não se coíbem de insultar, denegrir, objetivar e mesmo ameaçar as mulheres, até formas de sexismo mais encobertas, como canções que perpetuam estereótipos de género (...) Todavia, isto não deveria ser surpreendente. Seria peculiar se o rock alternativo, com a sua representação masculina, desenvolvesse por si só uma masculinidade que se afastasse da masculinidade hegemónica. (...) Ora, grave é o facto desta questão ser autoinfligida. Trata-se de movimentos musicais que têm no seu ethos a defesa da igualdade de género. O que se constata é uma rutura entre o discurso e a prática. " [4] - Paula Guerra, 2020
Além disso, as prespectivas das Decibélicas não podem ser vistas linearmente. A cena punk sustenta, coletivamente e individualmente, significados de resistência, que são afirmados mais pela atitude pessoal e acção política do que através de discursos políticos, tal como são habitualmente concebidos:
"Thus, as we have seen, these individuals hold meanings of resistance that are both individual and collective, and express them through an attitude and a personal and political action (Haenfler 2004: 408). While they claim to be apo-litical, and position themselves outside the spectrum of political action, the punks build and present a structured narrative in a return to a policy concept grounded in their own idea of how the world should be, keeping themselves at the same time away from common uses of politic" [5] - Paula Guerra, 2014
Maria:
"Oh fofo: dá-me o teu iPad, pra me ligar à Infarmed...
Descafeinado e spirulina... oh Maria atina esta foi só para a rima.
Wolskswagen na suite e CrossFit musculos e permanente
Vai acima e vai abaixo... Esta maria é mesmo exigente
Maria, húngara bolachinha, vai, mas nunca quer ir sozinha...
Mini saia na mão e sutiã desportivo, go with the flow sister, eu vou ali fazer um clister
É a roda da sorte, é o euro milhões, e tanta multa pra pagar para estes patrões.
Isto são so momentos de demência, oh Maria tem la paciência,
esquece a aparência.
E fechem a porta ao entrar porque Maria vai chegar pra vos chatear,
mas deixa lá maria continua a tentar
são só cuscovilhices escritas nas páginas
e só me caem as lágrimas, porque não vem lá o que se passa na rua.
Pensas na vida dos outros só pra não pensar na tua,
revista Maria é a capa, e eu quero vê-la toda nua.
E fechem a porta ao entrar porque Maria vai chegar com o solo da Maria:
'Ahhhhhhhhhhhhhh'
É o solo da Maria,
deixa lá Maria, podes continuar a tentar e a tentar e a tentar.
revista Maria é a capa, e eu quero vê-la toda nua."
- Decibélicas, Lixo Plástico, 2020
A música "Maria" parece indicar uma crítica à "feminilidade" consumista, associada com a sociedade moderna, além de uma crítica ao feminismo liberal, que condiciona as mulheres a um jogo de aparências sociais, de "padrões estéticos dominantes", segundo as espectativas sociais "face à imagem e estética femininas". A prespectiva das Decibélicas é assim contrastante com a feminilidade dominante:
"(...) as expectativas sociais face à imagem e estética femininas. Assim, a moldagem social do corpo por padrões estéticos dominantes é contrária ao visual feminino punk, pois este contrasta e colide com essa feminilidade. Tal não quer dizer que o visual punk não se tenha moldado à lógica dominante e seja hoje objeto de uma classificação distintiva de sentido positivo, mas nem sempre o foi. Por exemplo, na atualidade, a Patti Smith é uma lembrança que o punk ofereceu às mulheres uma permissão para explorar as barreiras de género, para investigar o seu próprio poder, raiva e agressividade. Ou seja, Patti Smith, com a sua imagem de androginia desafiou a ideia mainstream sobre a feminilidade (Whiteley, 2006), mas foi um processo paulatino. " [6] - Paula Guerra, et. al. 2017
Receção Crítica
"As Decibélicas marcaram presença em palco com seis elementos, com apenas um rapaz. Em “Televendas”, onde se ouviu “ligue já e ganhe uma viagem para o inferno” de forma demoníaca, o público esteve em êxtase e muitos foram os saltos dados no recinto. Sons diversos com a voz, ruídos baixos, gritos ferozes. O grupo deu tudo o que podia e o primeiro mosh, depois de três dias de festival, finalmente aconteceu. “O lixo é um luxo”, gritaram as artistas. A música “Lixo” fez com que os que assistiam atirassem para o palco garrafas que estavam espalhadas pelo chão." [7] - Rita Almeida
"As Decibélicas (...) com os temas “Revista Maria”, “Vagina Elétrica” e “Tarantina” fizeram com que fosse difícil ficar indiferente àquilo que estava a ser tocado. A banda de seis membros terminou a sua performance com uma música intensa e cheia de energia que carregava em si uma grande mensagem: “Amar Pelos Dois” era uma intervenção para a violência conjugal." [8] - Diana Gomes
Ela é uma Música
Ela é uma Música foi um documentário realizado por Francisca Marvão, que estreou no Indie Lisboa, no qual as Decibélicas apareceram. "Ao longo de quase cinco anos, Francisca levava a câmara de filmar quando saía de casa para ver concertos. Através dela, registou nomes como Calcutá, Savage Ohms, The Raincoats (com a portuguesa Ana da Silva), Anarchicks, Clementine, Ninaz, Decibélicas ou as Panelas Depressão".[9] "As miúdas andam por aí… a rockar como se não houvesse amanhã!"[10]
Ela é Uma Música After Party no Indie Lisboa, teve a participação das Decibélicas e outras bandas que apareceram no documentário, "numa celebração do rock feminino, que reuniu diferentes gerações de mulheres que estão a fazer a história do rock em Portugal."
"O problema da visibilidade da mulher no mundo artístico é real, mas agrava-se quando falamos de um estilo musical que sempre foi visto no masculino. Porque é que é assim? Mais uma vez, não há respostas fechadas, mas falar em tradições culturais e estruturas sociais que têm séculos — por mais que se estejam a diluir, ainda há vestígios disto — poderá justificar parte desta verdade. O rock é barulhento, tem um som distorcido. As mulheres não tinham como encaixar neste tipo de sonoridade. Era assim, pelo menos, no tempo de Maria Teresa Horta, 82 anos — uma das autoras do livro "Novas Cartas Portuguesas" — que lembra que, pela altura em que o género das guitarras amplificadas surgiu, este era visto como algo “pornográfico”, como um sinal de desobediência."[11] - Ana Luísa Bernardino
Citações:
Decibélicas. "ELA É UMA MÚSICA AFTER-PARTY". IndieLisboa (in Portuguese). Retrieved 2021-10-04.
<Decibélicas. "Aviso Público".
Malheiro, João (2019-01-29). "SALGADO FEST: A NOITE MAIS LONGA DO MAUS HÁBITOS". Jornal Universitário do Porto. Retrieved 2021-10-04.
Guerra, Paula (2020). "Um lugar sem lugar... no rock português". doi:10.18817/ot.v17i29.757. ISSN 1808-8031. Cite journal requires |journal= (help)
Guerra, Paula (2014-01-02). "Punk, expectations, breaches and metamorphoses: Portugal, 1977–2012". Critical Arts. 28 (1): 111–122. doi:10.1080/02560046.2014.883697. ISSN 0256-0046.
Guerra, Paula; Gelain, Gabriela; Moreira, Tânia (2017). "Collants, correntes e batons: género e diferença na cultura punk em Portugal e no Brasil". doi:10.1344/Lectora2017.23.2. ISSN 1136-5781. Cite journal requires |journal= (help)
Almeida, Rita (2018-06-18). "Rock, calor e moshs no último dia de Braga Sounds Better". ComUM (in Portuguese). Retrieved 2021-10-04.
Gomes, Diana (2019-02-17). "Club Souto aquece mais um serão de rock". ComUM. Retrieved 2021-10-04.
Duarte, Mariana (2019-07-27). "Dentro da história ou fora dela, as mulheres também são parte do rock". Ípsilon Público. Retrieved 2021-10-04.
"Ela é uma Música". IndieLisboa (in Portuguese). Indie Lisboa. Retrieved 2021-10-04.
Bernardino, Ana Luísa. ""Ela é uma Música". Onde andam as mulheres do rock português?". MAGG (in Portuguese). Retrieved 2021-10-04.